São Paulo não é para amadores.
Na ‘Visita’ de hoje, Juliana sente – em Lisboa – saudade da bagunça, dos mistérios e do vigor de São Paulo
Encontrei este texto por acaso … bem, nem tão por acaso. Precisava “ouvir” sobre São Paulo. Dos amores e desamores. A Juliana é paulista, aquele que não nasce mas lá vive, e declara seu amor à cidade neste texto escrito em Lisboa, onde permanece agora. Espero que gostem e entendam o que se passa com quem chega à terra da Garoa.
Não nasci na cidade de São Paulo, mas gosto dela como se fosse minha.Reza aquela espécie de ditado: ninguém pode falar mal da minha cidade, menos eu. Mas eu não quero escrever uma linha negativa sobre São Paulo. Lá não nasci, pelo menos não de minha mãe. Mas aquela é também a minha cidade. Porque outros nascimentos, de várias partes de mim, naquela metrópole aconteceram. E isso fez de mim profissional na arte de “cidadear” São Paulo.
É violenta, é suja, é bagunçada. É sim senhor. Fale-me uma coisa que eu não saiba, que ninguém saiba. Alguns dizem ser a cidade mais feia do mundo. Pode ser. Não me interessam os adjetivos. São Paulo é cidade substantiva. É de verbos de ação, e também abarca os reflexivos. Deixemos as qualificações para Paris, Nova York, Roma. Na gramática, o paulistanês prefere as conjugações.
São Paulo age, trabalha, estuda, corre, anda de “busão”. A capital vai ao cinema, leva os “manos” ao shopping, inventa a moda do picolé mexicano, decreta o picolé mexicano démodé. A cidade esconde a lua com os arranha-céus. Mas ela, esperta, escorrega pelos vãos dos prédios e aparece aqui e ali, só para ver o luzidio vaivém dos carros.
São Paulo reclama do metrô lotado, diz que odeia seu tamanho monstruoso, fala que se pudesse se transformava em outra coisa. Mas é só da boca para fora: na verdade, São Paulo se adora.
Nesse sem-fim de verbos, São Paulo me deixa – aqui em Lisboa – com saudade dos três minutos entre os trens do metrô (como assim, sete minutos, Lisboa?), das cozinhas de restaurante abertas depois das 23h30 (cadê a padoca “24 horas”?), da pizza que é uma declaração universal dos direitos humanos à boa comida (não tem sabor “portuguesa”?).
Em São Paulo, dezenas de pessoas ocupam a mesma calçada, em direções opostas, mas quase nunca se chocam. Cada um desvia para um lado, mas cada um vai para um lado diferente. Fica interdito o momento constrangedor em que as pessoas param uma em frente à outra, sem saber se vão para esquerda ou direita: “Desculpe, desculpe, desculpe”. Ah, lisboetas, por que vocês sempre esbarram em mim?
Quanto mais conheço Lisboa, quanto mais ela se deixa decifrar por mim, mais eu sinto falta do segredo imanente de São Paulo. Não quero ter uma cidade na palma da minha mão. Quero que ela me envolva, com suas mãos, seus braços, seus tentáculos de asfalto e gente.
Cidadeio as vielas portuguesas com prazer, já sentindo saudade futura do que ainda tenho. Mas os pés que caminham aqui não caminham como lá. É preciso saber andar na multidão, fugir do corre-corre andando na contramão. Sentir a pressa da cidade, desafiá-la ao se apegar à preguiça e à mansidão. Ter medo dela, ter medo de ficar longe dela. Ter saudade dela, longe ou perto. Cidadear São Paulo é unir antítese e fazer dos antônimos um novo sinônimo.
Ah, São Paulo, você não é para amadores. A sua gramática eu manejo bem. Mas nela não é possível chegar ao Ph.D. Você não deixa, porque sempre inventa uma palavra, traz uma regra original. Mas eu, como você, sou teimosa. Eis, talvez, o único adjetivo que lhe caiba. Não, há o verbo: teimar. São Paulo teima.
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