Acordei eram cinco da tarde e era noite … ou estava o sol a incendiar o céu numa luta incandescente até a luz se extinguir por completo.
A sesta prolongada foi um ganho evidente pois fiquei muito bem disposta, tão bem disposta que tomei o terceiro banho do dia, vesti-me e saí para a rua para ir jantar.
Ainda antes de sair, a Kelly sugeriu-me jantar na Casa Amarelindo, em pleno Pelourinho. Aceitei a sugestão! Estava tão animada que nem me dei conta que além de não conhecer nada da cidade, era de noite e estava sozinha. Não me intimidei. E fui!
Olhei o mapa, que guardei de imediato, e percorri a rua em direcção à Rua do Carmo, onde ficava a minha referência a Pousada do Covento do Carmo, mas confesso que senti alguma desorientação e olhando para quem estava na rua, na verdade quase ninguém, pousei os olhos numa rapariga, negra, jovem, que vinha de baixo em minha direção e que me inspirou confiança, por certo vinha de trabalhar e vinha também carregada de sacos. Era a Leda.
– Oi! Tudo bem? Pode dar-me uma ajuda? O Pelourinho fica muito distante daqui? -disparei sem respirar.
– Oi, meu bem! Tudo bem! – respondeu pausadamente – O Pelourinho é aqui bem perto! Mas você está sozinha? – perguntou.
– É, eu estou! Mas é perigoso? – receei.
– Bem, você é turista e tem esse ar de gringa … aí, nunca se sabe, e é de noite … olha, eu sou a Leda e eu estou indo para a frente, aí eu vou em casa pousar meus sacos, dar um beijo nos meus pais e levo você lá! – ofereceu-se de sorriso e coração aberto.
E eu aceitei. Confiando. Fomos todo o caminho a conversar. Era professora de danças latinas e tinha vivido quatro anos em Barcelona, com o irmão que era músico. Voltara por causa de crise na Europa.
– É a primeira coisa que os pais cortam … as actividades extras! – explicava-me.
E como eu sabia disso, sentira-o na pele três anos antes, e a realidade era difícil.
Agora, voltara a casa dos pais e estava a trabalhar. Mas gostava de voltar. Percebi que os brasileiros têm esse sonho com a Europa. E eu que vinha de lá sonhava com o Brasil. Levamos a vida a tentar encontrar-nos.
Trocamos telefones e um abraço de agradecimento, a Leda tinha sido a minha companhia e eu tinha sido a aventura que ela haveria de contar como novidade: a gringa que chegou sozinha de navio, que coragem!
Entrei pela pousada, um antigo casarão do século XIX, onde iria jantar no elegante Pelô Bistrô … no ar ouvia Ivete Sangalo e isso agradou-me, a Veveta representa a Bahia como poucos, e sentei-me a apreciar o espaço. Fresco, acolhedor e muito agradável! Pedi uma caipirinha!
Fiquei a desfrutar do momento! Só queria estar ali! Só queria aquele silêncio embalado de Axé.
Dei uma vista de olhos na ementa e decidi-me por comida típica baiana. Eu não sou de tirar fotografias a comida e as poucas que tiro acho sempre que não fazem jus ao que me servem … e, neste caso, nem tirei fotografias nem registei nomes de pratos … culpa da caipirinha deliciosa! Fiquei com a ideia de que queriam servir comida bahiana com um toque internacional … gostei! Mas gostei mais ainda da simpatia e da disponibilidade.
Na volta à minha pousada não arrisquei e regressei de táxi. Paguei 15 reais e o taxista foi obrigado a dar a mesma volta que eu havia dado de manhã, agora sem trânsito, mas à noite, porque o trânsito estava cortado no centro. É não havia dúvida!
Ao chegar, subi, sentei-me na varanda principal do casarão, virada à rua, e sentindo o calor que suavizava às dez da noite, deixei-me ficar tentando acreditar em tudo o que estava a viver. E estava grata.
mh
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