O jantar de um navio é o ponto alto do convívio entre os passageiros pois aqui encontram-se todas as noites, em mesas marcadas previamente, e que, por norma, não se alteram.
Nada ou quase nada foi como é suposto ser. Mas este não é um cruzeiro turístico como os outros.
A primeira noite eu não jantei no restaurante Miramar porque havia lanchado no restaurante Panorama. Quando me apercebi das horas já o jantar tinha acabado. Seria assim também no pequeno almoço do dia seguinte. As horas não iriam ser o meu forte a bordo.
O meu primeiro jantar foi na segunda noite e a mesa que me indicaram era composta por oito pessoas. Eu, um casal russo e uma amiga, dois jovens casais argentinos. Eu falo português (durante toda a viagem transformado num brasileiro muito bem disfarçado e com múltiplos sotaques regionais), falo e entendo bem inglês, razoavelmente francês e um pouco de espanhol e quase nada de alemão. Não me estou a vangloriar, trata-se apenas de factos.
O casal russo e a amiga só falavam russo. Entendiam muito mal um inglês primário. E nada, mesmo nada de português. Iam trabalhar para o Brasil. Os argentinos falavam espanhol, claro, e nada, mais nada. Assumindo que haveríamos de comunicar, lá fiz o maior esforço para manter diálogos improváveis entre todos. Por defeito de profissão, ensinei os obrigatórios “Olá, como estás?”, “Obrigado.”, “Como te chamas?”, “Quanto custa?”. E aprendi, aprendo sempre, que a língua é fundamental para se comunicar mas a empatia faz milagres.
No dia seguinte pedi uma mesa mais centralizada, a anterior ficava debaixo das escadas, e mais falante. Assim foi! Era o Jantar de Gala, que foi um momento à parte, porque foi único e irrepetível. E disso falarei mais tarde!
Nas noites seguintes, ficaria sempre na mesma mesa, e os jantares tiveram de novo a companhia certa e garantida dos meus amigos argentinos, que mal me viram se lembraram do primeiro jantar, e lá se quiseram sentar, até ao fim. Curioso que não sei os seus nomes, porque nos tratávamos por “cariño”, “hermosa” e não precisávamos dos nossos nomes para nada. Eram quatro jovens, duas raparigas e dois rapazes, uma de Buenos Aires e os outros três de Mar de la Plata, que haviam acabado os seus estudos, e estavam a passear pelo mundo trabalhando para garantir o seu sustento e continuar a aventura. Faziam a travessia porque era uma forma absolutamente diferente de acabar a sua odisseia. Pensei se se iriam adaptar ao regresso a casa (mal eu sabia que não, que nunca mais voltamos a ser os mesmos). Nestes momentos, de deliciosa partilha, mais uma vez a empatia, tão natural quanto sincera, que nos reconfortava depois de um dia passado em várias actividades, cada um para seu lado (literalmente, porque assim tinham combinado!), dava-nos a certeza de que o ser humano é assim, disponível e social.
Conheci também um rapaz, luso-canadiano, informático, que estava acompanhado de um outro casal gay australiano, médicos que trabalhavam através de consultas online e que viajavam desde Sidney, tinham estado uns tempos em Valença, Espanha, passariam agora pelo Brasil e chegariam depois à Argentina, onde iriam permanecer. Eram animadíssimos, ciumentos e muito conversadores. Conheciam-se os três havia muito tempo e o casal levava uma união de trinta e três anos.
A dada altura, perdi um jantar devido a uma entusiasmada tarde de conversa solta, risadas e bloody Mary’s à descrição que terminou já noite e com direito a uma sesta que me levou a acordar de madrugada, sem jantar, e fresca como uma alface. Subi ao bar da discoteca e alimentei-me a coca-cola e conversa gostosa própria de encontros inesperados.
Assim, e após ter um lugar fixo à mesa, onde podia apreciar quem estava e que de, certa forma, já conhecia, percebi que havia gente que me olhava e sem perder tempo, já habituada à minha nova zona de conforto, estar sozinha, aceitei partilhar o jantar. Conheci a Sissa, a sua filha linda e a mãe. Viajaram de férias do Brasil a Espanha e faziam agora esta travessia onde descansavam e usufruíam de uma vida descontraída porém requintada. Eram de Florianópolis. Devia de as ter convidado mais cedo, pois estiveram todas as noites sentadas mesmo ao meu lado esquerdo, e elas teriam apreciado.
Foi a única pessoa que fiquei com contacto porque a bordo fazem-se planos e projectos que se sabe nunca se concretizarem e, por isso, uma memória é preferível a um contacto.
mh
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