A dada altura, na minha vida, pensei que sabia tudo o que queria ter. Queria ter filhos, tive-os. Queria ter um amor, encontrei-o. Queria ter um carro, comprei-o. Queria ter um emprego, criei-o. E, assim, fui achando que tudo se encaixava como nas instruções dos blocos da Lego.
Para me orientar fazia listas do que queria ter. É que eu gosto de listas: de compras de supermercado, de livros a ler, de músicas a ouvir, de hotéis a dormir, de países e cidades a visitar. Raramente as sigo, quer porque as esqueço em casa, quer porque a liberdade de escolher na hora dá-me muito mais satisfação. E, claro, vim a perceber que mesmo que tivesse tudo o que queria ter, por vezes virava tudo do avesso e acabava a preferir o acaso!
Mas nas minhas listas olvidadas há factores de estima dos quais não abdico.
Escreve-las a lápis. É mais suave e as ideias discorrem-me em cascata. Numa folha aproveitada, rasgada a meio, guardada na gaveta pequena da cozinha, surgem as cápsulas de café, açúcar amarelo (para os convidados), compota de frutos silvestres, mais capsulas de café (acabam sempre na hora errada), chocolate (preto com aromas ou recheio), bolachas [de chocolate e coco], chá (todos os que houver), geleia de marmelo (gosto mais) e tostas (finas). Nesta lista, que nunca usarei, eu vivo tudo o que aqueles itens, que ainda não me chegaram à mão, me proporcionarão. A ver.
Um serão enterrada no meu sofá, com a minha manta de 7 cores, o meu livro (há tempo demais pousado que já tem pó) e o tabuleiro azul, rectangular, barato, suporte da minha chávena snobe de louça inglesa vermelha com cavalos e cocheiros e a taça redonda, dourada, com a gula de prazeres momentâneos.
Ou o fim daquele jantar de bons amigos, ao fim de semana, que se quer longo e vivido, bem regado a brancos e tintos, que apela à cafeína vulgar de uma qualquer ilusão cinematográfica, que me tenta manter acordada, sem sujar ou dar trabalho.
São listas escritas, em rascunho, que orientam as minhas decisões. E, as minhas decisões, tornam-se as minhas prioridades.
Há muitos anos, fiz uma lista que sobre os meus desejos a cumprir e reparei, passado tempos, num encontro imprevisto numa caixa de cartão perdida, que estava cumprida. Fiquei assustada. Aquela folha amarelada e gasta predestinava tudo o que havia desejado e agora tornara-se realidade.
Então deixei de querer ter e passei a querer ser … bem, a tentar SER … feliz, amada, paciente, realizada, amiga, cúmplice. E, aí, não precisei de listas. Percebi que para ser não tenho de querer, tenho de viver.
mh
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